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16.01.2025 Comunicação

Jornalismo científico e ética: estudo revela desafios na cobertura global

Estudo global aponta como jornalistas lidam com ética, incertezas, controvérsias e responsabilidades na divulgação de descobertas científicas

Para jornalistas de ciência ao redor do mundo, resultados de pesquisas não devem ser apresentados como certezas absolutas, mas como provisórios e passíveis de revisão. Essa conclusão faz parte de um estudo da Federação Mundial de Jornalistas Científicos (WFSJ) e do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O levantamento ouviu 505 jornalistas de 82 países (entre eles o Brasil) entre março e julho de 2022. Os participantes responderam a um questionário sobre ética profissional e temas como neutralidade, incertezas científicas, fraudes, retratações e o sistema de embargo — que permite acesso antecipado a papers ainda não publicados.

Incertezas e neutralidade

Para 74% dos entrevistados, descobertas científicas devem ser tratadas como temporárias e sujeitas a refutações futuras. Um jornalista brasileiro ressaltou:

“Não existe uma verdade científica oficial; a busca por qualquer caminho possível para a verdade exige um contexto de investigação livre”.

Na cobertura de novas vacinas, a maioria dos jornalistas da América Latina (59%), Europa e Rússia (67%) e América do Norte (89%) afirmou que reportagens deveriam priorizar fontes que apoiam a vacinação como medida de prevenção.

“A vacinação é uma medida de prevenção de doenças tão eficaz que lançar dúvidas sobre sua eficácia geral é irresponsável”, disse um jornalista da Austrália. “No entanto, jornalistas científicos devem abordar vacinas específicas de forma responsável, apresentando dados sobre sua eficácia, mas também tratando de efeitos colaterais e riscos.”

Já na cobertura de mudanças climáticas, 66% dos entrevistados afirmaram priorizar fontes que atribuem o fenômeno à ação humana.

Em contrapartida, jornalistas da África Subsaariana (80%) e do Norte da África e Oriente Médio (64%) indicaram buscar um equilíbrio maior, incluindo vozes que questionam a relação entre mudanças climáticas e atividades humanas.

Capa do estudo ‘Princípios Orientadores para o Jornalismo Científico – Uma Perspectiva Global 2024’, que reúne dados sobre práticas, desafios e ética no jornalismo científico em mais de 80 países; clique na imagem para acessá-lo

Fraudes e retratações

Sobre artigos científicos retratados (isto é, que foram cancelados depois de publicados, por conta da ocorrência de fraudes ou erros), 65% dos jornalistas afirmaram noticiar a retratação, seja atualizando a reportagem original, seja incluindo notas editoriais.

No entanto, 21% declararam que só fariam isso em casos de fraude grave.

Além disso, 80% dos entrevistados disseram que jornalistas devem acompanhar casos de cientistas acusados de fraude, especialmente se forem posteriormente considerados inocentes.

“Quem quer que tenha relatado a fraude pela primeira vez deve acompanhá-la e informar seu público sobre o desenvolvimento do caso”, destacou um jornalista da Espanha.

“Jornalismo não é Twitter (atual X), em que parece que não há responsabilidade pelo que é dito. O jornalista deve ser responsável pelo que diz, ser honesto para ser justo com aqueles que estão sendo julgados”, declarou a jornalista espanhola.

Veja a seguir os principais destaques do estudo (clique nos tópicos abaixo para saber mais):

Perfil dos participantes da pesquisa

Gênero e faixa etária

  • 53% dos participantes se identificaram como mulheres, e 45% como homens.
  • Idades equilibradas: 25-34 anos (22%), 35-44 anos (28%), 45-54 anos (25%), e acima de 54 anos (22%).

Formação acadêmica

  • 52% possuem graduação em jornalismo/comunicação.
  • Mestres (44%) e doutores (19%) são comuns, especialmente na Europa/Rússia e Ásia/Pacífico.

Experiência profissional

  • 36% têm mais de 16 anos de experiência.
  • Em regiões como África Subsaariana e Meridional, 37% possuem menos de cinco anos na área.

Práticas profissionais

Função principal

  • 38% veem seu papel como “informar”, seguido por “explicar ciência” (28%).
  • Promover ciência é mais comum no Norte da África e Oriente Médio (59%).

Ocupação

  • 55% trabalham em jornalismo científico como ocupação principal.
  • Freelancers são maioria em partes da África e no Oriente Médio.

Meios de publicação

  • Mais frequentes: sites (69%) e mídias sociais (56%).
  • Menos frequentes: eventos em museus (43%) e televisão (38%).

Ética na prática jornalística

Neutralidade

  • 57% acreditam que jornalistas podem ser neutros; na América Latina, 48% discordam.

Uso de fontes

  • 73% priorizam os cientistas mais relevantes no campo.
  • Nos EUA/Canadá, 67% buscam equilíbrio de gênero nas fontes.

Revisão de material

  • 63% enviam o material para revisão em casos complexos.
  • 32% nos EUA/Canadá nunca enviam textos antes da publicação.

Cobertura de temas controversos

Vacinas

  • Maioria na Europa, Ásia e América Latina apoia priorizar fontes pró-vacinação.
  • Na África, há maior busca por equilíbrio entre opiniões pró e contra.

Mudanças climáticas

  • 66% priorizam fontes que associam o fenômeno a causas antropogênicas.
  • Na África, há maior tendência a equilibrar perspectivas.

Fraudes e retratações

  • 65% noticiam retratações; no Norte da África e Oriente Médio, muitos só o fazem em casos graves, como fraude.
  • 80% acompanham casos de fraude até que sejam resolvidos.

Desafios e questões éticas

Principais problemas

  • Baixa remuneração (63%) e fake news (56%) lideram globalmente.
  • Na América Latina, a falta de liberdade editorial (45%) também é uma preocupação.

Recebimento de presentes/brindes

  • 37% aceitam em algumas situações; 27% consideram inaceitável.

Declaração de financiamento

  • 74% afirmam que jornalistas devem declarar suas fontes de financiamento.

Associações de jornalismo científico

  • 72% disseram que há associações de ciência em seus países, mas 45% não sabem se possuem códigos de ética.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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