
Jornalismo científico e ética: estudo revela desafios na cobertura global
Estudo global aponta como jornalistas lidam com ética, incertezas, controvérsias e responsabilidades na divulgação de descobertas científicas

Para jornalistas de ciência ao redor do mundo, resultados de pesquisas não devem ser apresentados como certezas absolutas, mas como provisórios e passíveis de revisão. Essa conclusão faz parte de um estudo da Federação Mundial de Jornalistas Científicos (WFSJ) e do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O levantamento ouviu 505 jornalistas de 82 países (entre eles o Brasil) entre março e julho de 2022. Os participantes responderam a um questionário sobre ética profissional e temas como neutralidade, incertezas científicas, fraudes, retratações e o sistema de embargo — que permite acesso antecipado a papers ainda não publicados.
Incertezas e neutralidade
Para 74% dos entrevistados, descobertas científicas devem ser tratadas como temporárias e sujeitas a refutações futuras. Um jornalista brasileiro ressaltou:
“Não existe uma verdade científica oficial; a busca por qualquer caminho possível para a verdade exige um contexto de investigação livre”.
Na cobertura de novas vacinas, a maioria dos jornalistas da América Latina (59%), Europa e Rússia (67%) e América do Norte (89%) afirmou que reportagens deveriam priorizar fontes que apoiam a vacinação como medida de prevenção.
“A vacinação é uma medida de prevenção de doenças tão eficaz que lançar dúvidas sobre sua eficácia geral é irresponsável”, disse um jornalista da Austrália. “No entanto, jornalistas científicos devem abordar vacinas específicas de forma responsável, apresentando dados sobre sua eficácia, mas também tratando de efeitos colaterais e riscos.”
Já na cobertura de mudanças climáticas, 66% dos entrevistados afirmaram priorizar fontes que atribuem o fenômeno à ação humana.
Em contrapartida, jornalistas da África Subsaariana (80%) e do Norte da África e Oriente Médio (64%) indicaram buscar um equilíbrio maior, incluindo vozes que questionam a relação entre mudanças climáticas e atividades humanas.

Fraudes e retratações
Sobre artigos científicos retratados (isto é, que foram cancelados depois de publicados, por conta da ocorrência de fraudes ou erros), 65% dos jornalistas afirmaram noticiar a retratação, seja atualizando a reportagem original, seja incluindo notas editoriais.
No entanto, 21% declararam que só fariam isso em casos de fraude grave.
Além disso, 80% dos entrevistados disseram que jornalistas devem acompanhar casos de cientistas acusados de fraude, especialmente se forem posteriormente considerados inocentes.
“Quem quer que tenha relatado a fraude pela primeira vez deve acompanhá-la e informar seu público sobre o desenvolvimento do caso”, destacou um jornalista da Espanha.
“Jornalismo não é Twitter (atual X), em que parece que não há responsabilidade pelo que é dito. O jornalista deve ser responsável pelo que diz, ser honesto para ser justo com aqueles que estão sendo julgados”, declarou a jornalista espanhola.
Veja a seguir os principais destaques do estudo (clique nos tópicos abaixo para saber mais):
Perfil dos participantes da pesquisa
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Gênero e faixa etária
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- 53% dos participantes se identificaram como mulheres, e 45% como homens.
- Idades equilibradas: 25-34 anos (22%), 35-44 anos (28%), 45-54 anos (25%), e acima de 54 anos (22%).
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Formação acadêmica
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- 52% possuem graduação em jornalismo/comunicação.
- Mestres (44%) e doutores (19%) são comuns, especialmente na Europa/Rússia e Ásia/Pacífico.
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Experiência profissional
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- 36% têm mais de 16 anos de experiência.
- Em regiões como África Subsaariana e Meridional, 37% possuem menos de cinco anos na área.
Práticas profissionais
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Função principal
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- 38% veem seu papel como “informar”, seguido por “explicar ciência” (28%).
- Promover ciência é mais comum no Norte da África e Oriente Médio (59%).
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Ocupação
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- 55% trabalham em jornalismo científico como ocupação principal.
- Freelancers são maioria em partes da África e no Oriente Médio.
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Meios de publicação
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- Mais frequentes: sites (69%) e mídias sociais (56%).
- Menos frequentes: eventos em museus (43%) e televisão (38%).
Ética na prática jornalística
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Neutralidade
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- 57% acreditam que jornalistas podem ser neutros; na América Latina, 48% discordam.
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Uso de fontes
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- 73% priorizam os cientistas mais relevantes no campo.
- Nos EUA/Canadá, 67% buscam equilíbrio de gênero nas fontes.
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Revisão de material
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- 63% enviam o material para revisão em casos complexos.
- 32% nos EUA/Canadá nunca enviam textos antes da publicação.
Cobertura de temas controversos
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Vacinas
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- Maioria na Europa, Ásia e América Latina apoia priorizar fontes pró-vacinação.
- Na África, há maior busca por equilíbrio entre opiniões pró e contra.
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Mudanças climáticas
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- 66% priorizam fontes que associam o fenômeno a causas antropogênicas.
- Na África, há maior tendência a equilibrar perspectivas.
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Fraudes e retratações
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- 65% noticiam retratações; no Norte da África e Oriente Médio, muitos só o fazem em casos graves, como fraude.
- 80% acompanham casos de fraude até que sejam resolvidos.
Desafios e questões éticas
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Principais problemas
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- Baixa remuneração (63%) e fake news (56%) lideram globalmente.
- Na América Latina, a falta de liberdade editorial (45%) também é uma preocupação.
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Recebimento de presentes/brindes
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- 37% aceitam em algumas situações; 27% consideram inaceitável.
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Declaração de financiamento
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- 74% afirmam que jornalistas devem declarar suas fontes de financiamento.
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Associações de jornalismo científico
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- 72% disseram que há associações de ciência em seus países, mas 45% não sabem se possuem códigos de ética.
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