Em busca de longevidade
Estudo comparou populações de diferentes cidades brasileiras para entender como aspectos psicossociais interferem na qualidade de vida de idosos
O envelhecimento populacional é um fenômeno global e, no Brasil, o número de pessoas com 60 anos ou mais já representa quase 15,5% da população. Estima-se que, em 2050, 38 milhões, ou 18% dos brasileiros, terão mais de 65 anos de idade. Entre os idosos, o grupo dos longevos – com 80 anos ou mais – cresce rapidamente, o que implica uma alteração acentuada de padrão demográfico e perfil de doenças prevalentes (com crescimento proporcional de quadros de hipertensão, diabetes e enfermidades da visão e da audição, entre outras). Desde 2015, um grupo de pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), busca compreender quais fatores contribuem para que as pessoas envelheçam de forma mais saudável.
Os pesquisadores analisaram diferenças regionais em relação ao envelhecimento, comparando as populações de idosos longevos das cidades de São Paulo e de Brejo dos Santos, município localizado no noroeste da Paraíba (na divisa com Rio Grande do Norte), a 448 km da capital João Pessoa.
O objetivo da investigação, cujos resultados foram descritos em artigo publicado na revista BMC Geriatrics, foi entender como características relacionadas a aspectos psicológicos, composição familiar no domicílio, condições sociodemográficas e suporte social poderiam influenciar a capacidade funcional dos idosos com 80 anos ou mais. Por capacidade funcional, entende-se o quanto a pessoa idosa consegue realizar as atividades básicas ou as mais complexas da vida diária de forma autônoma.
No estudo, essas habilidades foram avaliadas por meio do relato da necessidade de auxílio nas Atividades da Vida Diária (AVDs) e Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVDs). As AVDs estão ligadas ao autocuidado do indivíduo – os longevos foram questionados sobre se conseguem fazer tarefas como caminhar, vestir-se, tomar banho, higiene pessoal, pentear o cabelo, comer sozinho, deitar e levantar da cama e das cadeiras e ir ao banheiro. As AIVDs englobam ações mais relacionadas à participação social do sujeito, como preparar refeições quentes, cuidar do próprio dinheiro, usar transporte, fazer compras, telefonar, fazer tarefas domésticas leves e tomar remédios.
Os resultados do trabalho mostraram diferenças regionais importantes em relação ao envelhecimento no Brasil. Por exemplo, em São Paulo cerca de 70% dos idosos são mulheres, sendo que a maior parte vive sozinha. Já em Brejo dos Santos, há praticamente um homem idoso para cada mulher (54% de mulheres) e a maior parte deles é casada. Além disso, as populações que residem no sertão do Nordeste mantêm a tradição de casamentos consanguíneos. Em média, 20% dos casamentos no sertão são entre pessoas aparentadas, enquanto no restante do Brasil essa taxa é de cerca de 2%.
“As diferenças em relação à proporção do sexo feminino e masculino repercutem em relação às condições de saúde da população. Entre longevos, não ter companheiro ou companheira pode impactar mais a capacidade funcional”, diz a bióloga Silvana Santos, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Genética e Educação (NEGE) da UEPB. “As duas populações de longevos demonstraram características socioculturais bem diversas e esses fatores parecem influenciar os padrões psicológicos e familiares estabelecidos em duas culturas tão diferentes”, afirma Júlia Cristina Leite Nóbrega, fisioterapeuta e mestra em Saúde Pública pela UEPB, que também assina o paper.
Na década de 1990, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) desenvolveu um projeto em sete centros urbanos da América Latina para investigar as condições de vida e saúde dos idosos, conhecido como “Saúde, Bem-estar e Envelhecimento” (Sabe). No Brasil, o estudo Sabe vem sendo desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP e, há alguns anos, incorporou estudos genéticos realizados pelo Centro de Estudos do Genoma Humano da USP e investigações comparativas de populações de diferentes regiões.
O Brasil é um país continental com assimetrias e desigualdades regionais, assim como diferenças socioculturais e psicossociais que podem influenciar a capacidade funcional. A literatura científica tem mostrado que aspectos psicossociais, incluindo depressão, autoavaliação de saúde, bem-estar subjetivo, satisfação com a vida, solidão e isolamento parecem ter um efeito muito importante sobre a capacidade funcional, especialmente entre os idosos mais velhos.
Outro aspecto que influencia no envelhecimento são as relações humanas e os arranjos de convivência. “Ainda não temos dados para compreender em maior profundidade esses impactos, mas certamente o fato de termos um retrato das condições de saúde e fatores associados da população de São Paulo e de Brejo dos Santos nos ajudará a entender essa situação”, diz Santos. “Por isso, os estudos de coorte, aqueles em que se acompanha uma determinada população durante muito tempo, são muito importantes para entendermos o processo de envelhecimento da população”, pondera.
Rede pública de saúde
Ainda segundo as pesquisadoras, embora o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro ofereça acesso universal ao tratamento gratuito, há ainda muitos desafios, como a escassez de recursos e a concentração de serviços especializados em grandes centros urbanos. “Os idosos de Brejo dos Santos, por exemplo, têm de fazer exames de sangue no município vizinho. Caso precisem de atendimento médico especializado, ou de uma internação, têm de ir para Catolé do Rocha ou Cajazeiras”, explica Santos. “Às vezes, nos casos de câncer, o tratamento é em Campina Grande ou em João Pessoa, de 300 a 450 quilômetros de distância, mais de cinco horas de viagem.”
Para a pesquisadora, os resultados da pesquisa podem contribuir para a formulação de programas de atendimento e serviços no âmbito da gerontologia, uma ciência que estuda o envelhecimento não só na perspectiva fisiológica, mas também considerando aspectos biopsicossociais.
*
É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).