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04.06.2023 Terapia celular

Nova era do tratamento oncológico

Eficácia das vacinas de RNA mensageiro reforça potencial terapêutico de moléculas de RNA no combate ao câncer

Crédito: Léo Ramos Chaves

O desenvolvimento tecnológico tem ampliado nosso entendimento sobre a complexidade do nosso organismo, permitindo que muitos conceitos na biologia sejam revisitados. O “dogma central da biologia” é um deles. No passado, RNAs, exceto os RNAs estruturais (rRNAs e tRNAs), eram considerados condutores passivos de informação genética entre o DNA e a proteína. Nas últimas décadas, o complexo papel dos RNAs na regulação gênica vem sendo descrito e a descoberta destas múltiplas funções regulatórias motivou investigações sobre o uso terapêutico destas moléculas. 

Uma das abordagens da terapia de RNA é a introdução de RNAs codificadores sintéticos (mRNA) em células para o controle da expressão gênica. Terapias de RNA também se baseiam na utilização de RNAs não codificadores para inibir a atividade de RNAs (small interfering RNAs [siRNA] e antisense RNAs), modificar a atividade de proteínas (aptâmeros de RNA), reprogramar informações genéticas ou modificar o DNA (CRISPR-Cas guiados por RNA). 

Embora a lista de drogas baseadas em RNA venha crescendo nos últimos anos, foi durante a pandemia de Covid-19 que essa inovadora terapia alterou o cenário da indústria farmacêutica. 

O avanço da pandemia impulsionou o desenvolvimento de vacinas de mRNA codificadoras da proteína viral spike. Os extraordinários resultados de eficácia vacinal destes imunizantes foram um marco importante na era dos RNAs terapêuticos, porque consolidaram a ideia do uso de RNAs com finalidade terapêutica introduzida por John Wolfe em 1990. 

Antígenos tumorais

O racional para a utilização de vacinas de mRNA na oncologia é que estas vacinas permitem a personalização da terapia através de mRNAs sintéticos desenhados para codificar antígenos tumorais específicos, capazes de promover uma resposta de imunidade anti-tumoral. 

Além de potencializar os efeitos imunomodulatórios das vacinas de mRNA, a possibilidade de atingir simultaneamente múltiplos alvos é de extrema relevância em doenças multigênicas como o câncer. 

Estudos mostram que a terapia de RNA, principalmente através da entrega de siRNA contra genes envolvidos em vias celulares cruciais para a proliferação, sobrevivência e disseminação celular resultam no bloqueio da progressão tumoral com potencial de reduzir a resistência destas células a terapias convencionais. 

A terapia de RNA também pode ser uma alternativa para potencializar as respostas terapêuticas da imunoterapia. Neste sentido, uma abordagem que vem sendo explorada é a entrega de moléculas de RNAi que têm como alvo proteínas ou receptores imunossupressores presentes na membrana de células T. 

São inúmeras as vantagens em atuar no nível do RNA para controlar a expressão de genes, como o fato de não promover interação com o genoma do hospedeiro, ser bem tolerada, ser uma abordagem não infecciosa e de rápida produção com custo competitivo. 

No entanto, a pequena meia vida dos RNAs sintéticos é um grande desafio para o sucesso terapêutico porque, uma vez na circulação, estes são degradados por RNases extracelulares em poucas horas.

Comunicação intercelular

O avanço das estratégias para aumentar a estabilidade do mRNA e de novos sistemas de entrega têm permitido o aumento da eficácia destas moléculas in vivo. O principal sistema de entrega utilizado até o momento são as nanopartículas lipídicas, devido ao fato de possuírem a mesma estrutura que as membranas celulares, o que garante uma boa biocompatibilidade. 

Uma estratégia mais recente são as vesículas extracelulares, partículas com membranas naturalmente produzidas pelas células. Sua  principal função é propiciar a comunicação intercelular por meio da transferência de seu conteúdo, em particular ácidos nucleicos. 

A noção de que estas nanopartículas biológicas são carreadoras naturais de ácidos nucleicos motivou a pesquisa de sua utilização para a entrega de siRNAs terapêuticos. Estas nanopartículas podem ser funcionalizadas com diferentes classes de RNAs, além de permitirem a entrega a células-alvo por meio da incorporação de aptâmeros em sua estrutura. 

A versatilidade das nanopartículas de RNA enfatiza o potencial terapêutico das moléculas de RNA, que podem participar desde a construção de nanoestruturas até atuarem como agentes terapêuticos. Embora ainda não tenha sido aprovada nenhuma terapia de RNA nanoestruturada contra tumores, os resultados obtidos na resposta à pandemia têm incentivado o financiamento nesta área, impulsionando essa descoberta no futuro próximo.

*Renata de Freitas Saito é pesquisadora do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo 

*Roger Chammas é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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