Canais abertos com o público
Pesquisadores e jornalistas debatem estratégias para aprimorar a divulgação de ciência em meio a desafios globais de saúde
O conhecimento científico tornou-se alvo frequente de ataques de grupos com crenças e interesses políticos ou econômicos contrariados durante a pandemia de Covid-19. Isso colocou em evidência a necessidade de se pensar estratégias de comunicação mais eficazes e capazes de subsidiar a formulação de políticas públicas, estimular o diálogo entre pesquisadores e sociedade, aumentar o nível de confiança da população na ciência e no trabalho dos cientistas, e combater a desinformação.
Diante disso, o Hospital Israelita Albert Einstein e o Science Arena promoveram no dia 18 de outubro um debate virtual com jornalistas e pesquisadores para refletir sobre os desafios de falar de ciência em meio a riscos e incerteza associados ao agravamento dos efeitos da ação humana sobre o meio ambiente e à iminência de novas pandemias. O evento contou com apoio da RedeComCiência e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), no âmbito da 20ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
“A comunicação é parte importante do processo de produção científica e procuramos contribuir nesse sentido apoiando e desenvolvendo iniciativas que buscam fortalecer o combate a notícias falsas e teorias da conspiração, além de estabelecer canais de diálogo para aumentar o impacto da ciência na sociedade”, destacou Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, na abertura do evento. “Nos últimos anos, por exemplo, publicamos mais de 3 mil artigos em periódicos científicos relevantes, com mais de 18 mil citações.”
Ele também destacou os esforços da organização para promover a chamada ciência aberta, que visa tornar os resultados das pesquisas acessíveis à sociedade e acelerar novas descobertas. “Desde 2010 publicamos a revista einstein (São Paulo), dedicada à divulgação de artigos científicos nas áreas de medicina e ciências da saúde em acesso aberto, sem a cobrança de assinaturas ou taxas de processamento de artigos”, destacou Klajner.
No âmbito da divulgação científica, ele falou sobre o recém-lançado Science Arena, plataforma de comunicação criada para promover o diálogo entre cientistas e difundir pesquisas por meio de análises, ensaios e reportagens jornalísticas, e da Agência Einstein, que disponibiliza notícias sobre ciência e saúde para veículos de comunicação do Brasil e do exterior.
“A ciência está em tudo”, destacou a ministra Luciana Santos, do MCTI. “Estamos empenhados em resgatar o protagonismo da ciência na solução dos desafios do nosso tempo e na melhora da qualidade de vida das pessoas. Para isso, é importante debater estratégias para fortalecer a comunicação científica e fazer com que a produção dos nossos pesquisadores alcance a sociedade.”
Públicos diversos
Na avaliação da química Graciele Almeida de Oliveira, presidente da RedeComCiência, cientistas, jornalistas e divulgadores precisam ter clareza sobre o público que querem alcançar, e saber que cada um detém conhecimentos válidos, adquiridos a partir de suas experiências.
“Basear a comunicação apenas no que queremos comunicar, em um processo unidirecional, pode enfraquecer a divulgação científica e criar ruídos”, afirmou Oliveira, que até recentemente chefiou o Núcleo de Comunicação da Fundação Carlos Chagas.
A comunicação, disse Oliveira, é um processo social de produção e compartilhamento de sentido por meio da materialização de formas simbólicas dentro de contextos específicos, tempos e espaços (físico e virtual). “Estratégias de comunicação que hoje funcionam bem com determinado público podem não funcionar amanhã.”
A jornalista Meghie Rodrigues salientou que é preciso pensar estratégias específicas para cada público e desenvolvê-las por meio de dinâmicas mais participativas, abertas ao diálogo.
Comunicar incertezas
Os esforços para aprimorar a comunicação científica também passam pela capacidade de pesquisadores, jornalistas e divulgadores de comunicar as incertezas científicas. “É preciso fazer com que o público compreenda que a incerteza é propriedade inerente ao método científico e ao desenvolvimento de novos conhecimentos”, afirmou o médico Luiz Vicente Rizzo, diretor-superintendente de Pesquisa do Einstein.
“Não fomos claros o suficiente sobre as incertezas que acompanharam o desenvolvimento das vacinas e de outras estratégias de combate à Covid-19″, observou Rizzo. “Isso acabou sendo usado por indivíduos e alguns grupos para propagar desinformação e notícias falsas na pandemia.”
O sociólogo e físico italiano Yurij Castelfranchi, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou que contextos de incertezas e crises, sejam elas climáticas, econômicas ou sanitárias, costumam alimentar discursos negacionistas e conspiracionistas, e que estes tendem a prosperar em meio ao desconhecimento do público sobre o que é a ciência e como ela funciona.
“Temos hoje um cenário de comunicação bastante complexo e desafiador, sobretudo porque ele tem como palco as redes sociais, cuja mediação é feita por algoritmos que favorecem a disseminação e circulação de conteúdos mais imediatistas e sensacionalistas”, disse Castelfranchi.
“A ciência é um método que nos permite identificar padrões por trás dos fenômenos naturais e traduzi-los em leis gerais, mas isso ainda é pouco compreendido pelo público”, afirmou Rizzo.
“Poucos sabem que as pesquisas se baseiam em métodos, que seus resultados são submetidos à avaliação de outros cientistas da mesma área antes de serem publicados e que, se o forem, muito provavelmente serão reproduzidos por outros pesquisadores, que avaliarão se eles se confirmam ou não.”
Para Yuri Castelfranchi, da UFMG, pesquisadores e jornalistas precisam reconstruir o pacto de confiança da sociedade com a ciência e com eles próprios — e esse processo precisa ser absolutamente transparente para ter sucesso, “principalmente porque vivemos uma crise epistêmica em um contexto de abundância de informações”.
‘Experts de ocasião’
Esse fenômeno se intensificou na pandemia de Covid-19. “Testemunhamos o surgimento de vários experts de ocasião”, destacou a infectologista brasileira Sue Ann Clemens, colunista do Science Arena, coordenadora do Instituto de Saúde Global da Universidade de Siena, na Itália, e professora da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
“Pessoas que nunca fizeram pesquisa clínica começaram a falar sobre o assunto nas redes sociais ou em entrevistas à imprensa, muitas vezes confundindo dados e criando ruídos”, afirmou a pesquisadora, que coordenou os testes do imunizante Oxford/AstraZeneca no Brasil.
Para Castelfranchi, produzir e divulgar informação de qualidade é importante, mas isso não é suficiente. “É preciso ampliar a participação e o diálogo, aproximando a sociedade dos pesquisadores, jornalistas e divulgadores”, afirmou. Da mesma forma, é recomendável que os pesquisadores encarem a comunicação científica como parte integrante de seus projetos de pesquisa.
“Isso já acontece quando se trata de artigos científicos”, disse Graciele Oliveira. “Os cientistas se planejam desde o início de suas pesquisas para publicar papers com os resultados de suas pesquisas. O mesmo precisa ser feito em relação à divulgação desses resultados para a sociedade, dentro de uma lógica de diálogo, por meio também de parcerias com jornalistas e divulgadores.”
Agências de fomento como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo, já exigem dos pesquisadores uma estratégia de comunicação dos resultados de projetos que pleiteiam recursos públicos.
Porém, é preciso ir além e mudar a cultura dos próprios cientistas e de suas instituições. “Eles têm caminho aberto para se aproximar da sociedade”, destacou Castelfranchi. “A maioria dos brasileiros dizem confiar na ciência e nos jornalistas, de acordo com a pesquisa mais recente de percepção pública que coordenei.”
Confira a íntegra do debate:
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