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26.09.2023 Comportamento

Em busca da ciência do arrependimento

Envelhecer de forma emocionalmente saudável pode ter a ver com sofrer menos em eventos que gerem arrependimentos

Jovens têm o tempo a seu favor e muitas vezes podem ter o luxo de se arrepender e mudar suas ações | Imagem: Shutterstock

Com exceção do cantor estadunidense Frank Sinatra (1915-1998) – que em “My way” cantou que “arrependimentos, tive alguns, mas muito poucos para mencionar” – todos nós temos muitos arrependimentos na vida. Alguns pequenos, como ter comido aquela segunda fatia de bolo. Outros maiores, como ter comprado aquela bateria que agora está empoeirada no meio da sala. O que importa não é tentar levar uma vida sem arrependimentos, mas o quanto eles podem impactar seu bem-estar e saúde mental. Para estudar essa relação, precisamos ser capazes de mensurar esse sentimento.

Mas medir (cientificamente) o arrependimento não é algo trivial. O jeito mais fácil e comum é por meio de questionários com escalas de arrependimento e entrevistas. Apesar de válida, essa avaliação ainda é subjetiva. Afinal, arrependimentos (por exemplo, “ter casado com o Adalberto” ou “não ter feito engenharia mecatrônica”) não apenas são únicos e intransferíveis, como também podem estar relacionados entre si.

Uma maneira um pouco mais objetiva de medir níveis de arrependimento é usar neuroimagens ou medidas psicofisiológicas como taxa de pulsação ou a condutância da pele para avaliar a intensidade emocional. Nem preciso dizer que estas medidas também são passíveis de críticas. Afinal, ter perguntado sobre uma gravidez inexistente para a chefe pode ter um impacto fisiológico ou neuronal diferente nos arrependidos. 

O modo que acho mais fascinante de medir arrependimento é por meio de estudos comportamentais. Neles, os pesquisadores projetam uma situação na qual os participantes têm a chance de demonstrar remorso através de suas ações.

Um estudo publicado na revista Science combinou medidas comportamentais e psicofisiológicas para medir o impacto do arrependimento em três grupos de indivíduos: idosos de bem com a vida, idosos diagnosticados com depressão e jovens adultos (com menos de 30 anos). O mesmo jogo era aplicado aos três grupos. Oito caixas eram viradas pra baixo com dinheiro dentro delas. Apenas em uma delas, e de forma aleatória, era colocado um boneco.

Se o jogador escolhesse uma caixa e tivesse dinheiro, ele o embolsava e podia decidir se continuava na caixa seguinte ou não. Se na caixa estivesse o boneco, o jogador perdia todo o dinheiro da rodada. A grande sacada do experimento é que quando o jogador decidia parar, os pesquisadores mostravam onde estava o boneco. 

Como seria sua reação sabendo que, em uma rodada, você poderia ter pegado três caixas a mais de dinheiro antes do boneco? Você muda sua estratégia e tenta mais caixas na próxima rodada? Ou segue com a mesma estratégia, tentando sempre quase o mesmo número de caixas, pois sabe que a posição do boneco é aleatória?

O que o estudo mostrou é que nessas situações, tanto os jovens quanto os idosos com depressão se arriscavam mais nas rodadas seguintes. Por outro lado, os idosos “tranquilões” não alteravam seu modo de jogar e não pediam para abrir mais caixas por causa dessa chance perdida na rodada anterior.

Os pesquisadores também notaram similaridades nos níveis de oxigênio no sangue e da atividade do cérebro entre jovens e idosos com depressão. 

Arrependimento é útil para evitar erros futuros. O que os pesquisadores mostraram é que envelhecer de forma emocionalmente saudável pode ter a ver com sofrer menos em eventos que gerem arrependimentos. Jovens  têm o tempo a seu favor e muitas vezes podem ter o luxo de se arrepender e mudar suas ações.

Para o resto de nós, mais velhos, saber lidar com (muitas das) coisas que estão fora de nosso controle (como a posição do boneco nas caixas) ou que achamos que traria um desfecho melhor, mesmo sem nenhuma garantia disso (como ter escolhido fazer engenharia mecatrônica na faculdade), pode ser importante para termos menos remorso e depressão no futuro. 

Helder Nakaya é imunologista e pesquisador sênior do Einstein.

Os artigos opinativos não refletem necessariamente a visão do Science Arena e do Einstein.

* É permitida a republicação das reportagens e artigos em meios digitais de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
O texto não deve ser editado e a autoria deve ser atribuída, incluindo a fonte (Science Arena).

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